Quanto vale uma concessionária de veículos e como calcular o “valuation”.

por Orlando Merluzzi (*)
Como definir o preço justo de negociação

Calcular o valor de uma concessionária de carros, caminhões ou máquinas é parte ciência, parte confiança e uma grande dose de experiência. O modo de conduzir a avaliação de uma concessionária de veículos é muito particular e requer cuidados na utilização de métodos importados e tradicionais. Na MA8 utilizamos um método que melhor se adequa às condições de mercado e negócios no Brasil; o método híbrido de avaliação. Confira nesta matéria.

Com a chegada das novas tecnologias, biocombustíveis, eletrificação e a continuidade dos motores a combustão, haverá novos modelos de negócio convivendo com o modelo anterior, por muitos anos. O Brasil apresenta um cenário particular e terá estratégias próprias de descarbonização na mobilidade, as quais já começam a entrar em vigor. Isso mudará algumas coisas em segmentos específicos da cadeia automotiva. Para definir o valor da concessionária as projeções financeiras, ativos intangíveis e fundo de comércio sofrerão ajustes importantes, assim como as formas de relacionamento entre concessionárias e montadoras serão, também, ajustadas. Surge agora um novo fator de risco, em análise no STF, que poderá alterar a Lei Renato Ferrari (embora as chances ainda pareçam pequenas) e se isso ocorrer o valor das concessionárias tradicionais poderá ser afetado.

  • Não há espaço para crescimento orgânico dentro de uma rede madura, principalmente se a marca for uma “blue-chip”. É preciso comprar uma concessionária, encontrar quem queira vender e contar com a aprovação da montadora. As marcas líderes de mercado, ou as mais valiosas, já fizeram a lição de casa em suas redes, redimensionando áreas, promovendo trocas de controle societário e incentivando algumas fusões e sucessões. Quanto às novas marcas que chegam, ainda terão que se estabelecer, ganhar confiança no mercado, criar parque circulante, construir fundo de comércio para, depois, participarem do nível superior de “valor”.
Cálculo do valor da concessionária e abordagens específicas

Há muitas variáveis que devem ser consideradas no cálculo do valor de uma concessionária no Brasil e algumas dessas variáveis não são ensinadas nas escolas nem encontradas nas famosas tabelas do professor de finanças da Stern School of Business, Aswath Damodaran, o “pai do valuation”.

Uma concessionária de veículos, por ser uma “concessão”, não está sujeita às fórmulas acadêmicas de avaliação de empresas que incluem a “perpetuidade”, isso porque a concessão pode ser cancelada a qualquer momento pela concedente e indenizada conforme os princípios da Lei 6.729/79 (se não houver justa-causa), lembrando que a fórmula de rescisão da Lei Ferrari não utiliza critérios de fluxo de caixa livre descontado, múltiplos de EBITDA, nem o índice Beta de volatilidade exigido pelos métodos acadêmicos mais famosos. Da mesma forma, o valor de uma concessionária de veículos não é dado por cálculos contábeis simples, extraídos de variações patrimoniais e projeções superficiais que, contabilmente possam até resultar em “goodwill” negativo; isso não existe em uma concessionária de veículos e trata-se de um erro primário, principalmente se a marca envolvida no negócio for “blue-chip“. 

Recomendações da MA8

Não há uma fórmula de prateleira para ser utilizada. Cada acordo terá suas peculiaridades e trata-se de uma decisão de vontade entre vendedor e comprador. Particularmente, recomendo o método híbrido (o qual utilizamos na MA8 Management Consulting Group), com o cálculo do Fluxo de Caixa Livre Descontado, enriquecido com aspectos de gestão do comprador e também, gestão e estratégias da marca concedente (montadora). As projeções futuras de receitas e os valores intangíveis envolvidos no “goodwill” podem ou não ser utilizados na íntegra. É importante ressaltar que o Fluxo de Caixa Livre não é EBITDA e seu cálculo dá-se pela composição do Fluxo de Caixa Operacional com o Fluxo de Caixa de Investimentos (Capex).

Os planos da montadora só terão valor na precificação da concessionária, se forem parte de um compromisso formal. Apresentações virtuais e promessas verbais devem ser consideradas com cautela, pois na relação entre concessionárias e concedentes “vale o que está escrito”; se as promessas forem sérias os representantes colocarão no papel e assinarão.

O valor da “bandeira” não se discute, ao menos com esse nome, porque pertence à concedente e o concessionário não pode vendê-la; o que se vende é o fundo de comércio, ativos líquidos quantificados e as expectativas futuras que façam sentido ao negócio e possam ser comprovadas. O “fundo de comércio”, nesse caso, deve envolver reputação da marca, participação de mercado, análises de parque circulante e potencial futuro de absorção de pós-venda e serviços. Mesmo assim, a disposição em pagar por algo intangível dependerá muito da vontade do comprador para entrar naquela área. Isso terá um preço de oportunidade.

Ainda vale a pena comprar uma concessionária de veículos no Brasil?

Se o comprador já atua no mercado de distribuição de veículos e possui uma boa dose de resiliência, a resposta é sim! Apesar dos altos e baixos da economia, que sempre existiram, o mercado automobilístico brasileiro continuará interessante e acompanhará a chegada das novas tecnologias, apesar que nem todos os atuais concessionários (mesmo que antigos na marca) serão nomeados para elas. As montadoras farão, agora, uma seleção no canal. Contudo, se você não é do ramo e pretende entrar nele, recomendo cuidado e ajuda de uma assessoria especializada.

Em mais de trinta e oito anos atuando nessa área, acompanhei dezenas de projetos de avaliação, compra e venda de concessionárias e em todos os casos, os elementos levados em consideração nas avaliações assumiram características não-repetitivas. Traduzindo, cada caso é um caso.

Recentes negociações balizaram o mercado.

Nos últimos anos, alguns grandes grupos concessionários de veículos no Brasil, multimarcas, foram vendidos e as bases de negociação e preço foram oficialmente divulgadas na imprensa. Em geral, criou-se um direcional de valor baseado em múltiplos, de até cinco vezes o valor do EBITDA. É claro que as avaliações não foram feitas por esse método, mas o índice resultante, gostem ou não, tem sido usado por compradores (e até por algumas montadoras do primeiro grupo) como indicativo de valor da franquia. Além de ser um erro conceitual, essa situação coloca uma espada no pescoço dos acionistas das concessionárias com EBITDA muito baixo, seja por questões de falta de capital ou por ineficiência e despreparo da gestão. Esse índice passa a ter enorme importância para quem quer vender uma concessionária, embora o “valuation” não parta dele. Na MA8 não utilizamos múltiplos de EBITDA como base.

A avaliação de uma concessionária é exclusiva e exige a compreensão de termos técnicos e práticas do setor, relacionamento com a concedente, aspectos da legislação, entendimento do mercado, políticas comerciais, demonstrações financeiras de fábrica, abordagens regionais, familiares etc. Por esses motivos, é fundamental contratar um especialista em avaliação de concessionárias de veículos e não um generalista de avaliação de empresas ou especialista contábil. As primeiras aulas sobre esse tema, no Brasil, ocorrem dentro de uma valeta de oficina e em mesas de negociações com clientes e com representantes das montadoras (concedentes). A partir daqui podemos falar em “valuation” de uma concessionária de veículos.

Por fim, não se esqueça, a rede de concessionárias é o espelho da montadora. Política, diplomacia e formalização, são três termos fundamentais que abrem o primeiro capítulo do livro: “Como se relacionar bem com a montadora, ser respeitado, não perder seus direitos e manter o valor do negócio atrativo para quem compra e para quem vende”.

(*) Orlando Merluzzi é consultor sênior, sócio da MA8 Management Consulting Group, conselheiro de administração, estrategista e palestrante, atua no setor automotivo há 38 anos. É especialista em “valuation”, gestão de concessionárias e profundo conhecedor das leis que regulam o setor e o relacionamento entre montadoras e suas redes de concessionárias no Brasil. 

email: merluzzi@ma8consulting.com

 


 

Nota da empresa: Na MA8 fazemos o “Valuation” do negócio, de forma a alcançar o preço justo para comprador e vendedor. Desenvolvemos a negociação com a montadora, “due diligence”, negociação entre as partes, contratos e assessoria de gestão pré e pós venda. Fale conosco e entenda os passos necessários que você precisará dar, antes de vender ou comprar uma concessionárias de veículos ou de máquinas no Brasil.

A Distribuição de Veículos no Brasil – Cem anos de gestão e negócios familiares.

Histórias de gerações.

Cem anos de sonhos, angústias, fortunas, impérios, sucessões familiares, alguns fracassos, tristezas, decepções e incertezas. Estamos na Fase 5.0 do negócio, uma ampla transição. A fase 6.0 dessa jornada pode mudar tudo no negócio de distribuição de veículos e talvez, as concessionárias nem existam mais no futuro (ao menos com esse nome). O setor exigirá competências muito diferentes dos padrões atuais. Mudará a relação entre fabricantes, vendedores e consumidores. A gestão dos negócios poderá sofrer rupturas em dimensões e propósitos.


Entenda um pouco mais dessa longa história, para poder enxergar o que está por vir.

Um século de investimentos e gestão de negócios familiares na distribuição de veículos no Brasil.

LINHA DO TEMPO
Concessionária 1.0 (1910 – 1950) – Estruturação do Setor
  • O primeiro veículo importado a desembarcar no Brasil em 1891 foi um Peugeot Type 3 e quem o trouxe foi Santos Dumont, o Alberto, que depois o cedeu ao seu irmão Henrique.
  • Surgem os primeiros agentes importadores de veículos no Brasil.
  • A Ford é a primeira montadora a se instalar no país (1919), seguida pela GM em 1925 e no ano seguinte é a vez da International Harverster, a primeira montadora de caminhões.
  • Começam as montagens em CKD no país.
  • Em 1942 é inaugurada a FNM (Fábrica Nacional de Motores) e em 1950 começa a produzir caminhões.
  • Nasce o mercado informal de veículos, de peças de reposição e o mercado de carros usados.
  • Surgem os revendedores autorizados por contratos de adesão.
Concessionária 2.0 (1951 – 1994) – Consolidação do negócio e primeiras sucessões familiares
  • No início desta fase, o mercado de veículos no Brasil girava ao redor de 30 mil unidades por ano e o plano de JK, em 1956, permitiu que o mercado atingisse 100 mil unidades por ano ao final da década de 1950.
  • Em 1952 é fundada a Willys Overland e no ano seguinte é a vez da VW do Brasil. Em 1956 é fundada a Mercedes-Benz do Brasil. Na primeira metade da década de 1950 as importações de veículos e peças representavam um expressivo índice na balança comercial brasileira; algo precisava ser feito.
  • Em 1956 é criado o GEIA, Grupo Executivo da Indústria Automobilística, com a finalidade de estabelecer normas para que a indústria fabricasse automóveis nacionais, em um prazo de cinco anos. Haveria incentivos para importação de máquinas, equipamentos e alguns benefícios fiscais. Podemos dizer que o GEIA foi um “Inovar-Auto” analógico.
  • No mesmo ano nasce a ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).
  • Chegam outras montadoras e fábricas de autopeças.
  • Surge o embrião do Consórcio (1961), uma modalidade de auto financiamento que os norte-americanos e europeus levaram décadas para compreender (e alguns, até hoje, ainda não entendem como funciona).
  • As montadoras ampliam suas redes de concessionárias e remodelam os contratos de concessão, com algumas obrigações que, de certa forma, permanecem até hoje.
  • Nasce a ABRAVE. (1965) Associação Brasileira dos Distribuidores de Veículos e as revendas se unem em associações de marcas.
  • Nasce a ABAC (1967) Associação Brasileira das Administradoras de Consórcio.
  • Surgem a Lei Renato Ferrari em 1979 (Lei 6.729) e a PCCE em 1983 (Primeira Convenção das Categorias Econômicas).
  • Surgem os indicadores de gestão e os famosos DEFs (Demonstrativos Econômicos e Financeiro das Concessionárias).
  • Nasce a FENABRAVE em 1989 (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores).
  • A Lei Renato Ferrari sofre ajustes em 1990 (lei 8.132).
  • Os volumes de vendas crescem, as crises econômicas se sucedem no país, as redes de concessionárias enfrentam dificuldades financeiras. Surgem os primeiros Fundos de Capitalização para financiar o Floor Plan das operações comerciais. Os fundos de capitalização salvaram as lavouras por muitas vezes e impediram que algumas redes quebrassem, literalmente.
  • Surgem novos sistemas de financiamento de atacado e varejo.
  • A indústria e a economia crescem; vem o “milagre brasileiro” seguido de inúmeras crises e planos econômicos que nunca davam certo, conduzindo a inflação às alturas. A compra de um carro torna-se proteção do capital contra a perda de valor do dinheiro e o “ágio” na compra de um carro novo é quase uma instituição de mercado.
  • Ao final desta fase, em 1994, as vendas no mercado anual já contabilizam 1,4 milhão de veículos.
Concessionária 3.0 (1995 – 2012) – Expansão do mercado brasileiro e dos grandes grupos
  • O grande salto na indústria automobilística brasileira ocorre nesta fase, desde a abertura à importação de veículos até o recorde histórico de 3,8 milhões de veículos vendidos em 2012. É o período dourado do setor no Brasil e com ele, as redes de concessionárias se desenvolvem em capilaridade, capacidade financeira, criatividade e em gestão.
  • Os carros deixam de ser “carroças” e a importação estabelece um novo padrão de produto e conteúdo, moldando o desejo e as exigências dos consumidores no Brasil.
  • Surgem novas tecnologias que impactam o negócio. EAD, internet, telemetria, smartphones, vendas virtuais, ferramentas de busca etc.
  • Ocorrem as primeiras sucessões estruturadas nas redes de concessionárias. Surgem grandes grupos multimarcas.
  • Primeiras reestruturações e consolidações de concessionárias e áreas de atuação, patrocinadas pelas montadoras. Ocorre a expansão em muitas redes e o encolhimento em outras. Somente capital não basta mais; é preciso ter competência e vocação para o negócio de distribuição de veículos.
  • Fim da fidelidade às marcas e o aftermarket se profissionaliza.
Concessionária 4.0 (2013 – 2019) – Reestruturação das redes e do negócio.
  • Primeira grande crise econômica após o período dourado e a chegada das novas tecnologias.
  • O Inovar-Auto incentiva o setor, mas a crise econômica, cambial e política comprometem o sucesso do programa.
  • Chegam novas marcas e novas montadoras. Aumenta a concorrência.
  • Profissionalização da gestão com governança corporativa.
  • Novas demandas sociais, ambientais e econômicas afetam os planejamentos e modelos de gestão.
  • Cresce o e-commerce e as vendas ativas.
  • Há uma sequência de crises, com prejuízos e fechamento de centenas de concessionárias.
  • O setor busca por novas fontes de receitas e formas de reduzir custos nas redes.
  • Ocorre a transformação digital, internet das coisas, inteligência artificial, machine learning, negócios nas nuvens, blockchain, big data e criptomoedas.
  • As novas tecnologias em veículos exigem investimentos e novas competências nas redes de concessionárias. Carros híbridos e eletrificados.
  • O tamanho do mercado anual de veículos perde um milhão de unidades; começou a fase com 3,8 milhões e termina 2019 com 2,8 milhões.
  • Chega a epidemia do Covid-19 e o mundo dos negócios precisa se reinventar.
Concessionária 5.0 (2020 – 2030) – Adaptação aos Novos Modelos de Negócios
  • Novos modelos de negócios e novas formas de ganhar dinheiro com a mobilidade elétrica, a super conexão dos veículos e a gestão das informações no mundo virtual.
  • A mobilidade inteligente, a tecnologia e novos propósitos socioeconômicos e socioambientais, geram grandes alterações no comportamento do consumidor; surge um novo tipo de consumidor. Tendências: Minimalismo, sustentabilidade, diversidade, inclusão, práticas consolidadas de ESG, menos posse e mais uso.
  • Novos conceitos de consumo e utilização de veículos e transportes.
  • As concessionárias perderão o controle sobre a jornada do cliente.
  • Restruturação da gestão, novos modelos e novas formas de fazer negócios.
  • Novos serviços, assinaturas, atendimento a distância, atualizações de softwares, novas baterias em estado sólido (SSB), negócios de reciclagem e gestão do meio-ambiente em toda cadeia automotiva.
  • Cresce o mercado de carros elétricos e inicia-se um novo ciclo de energia limpa e renovável, coexistindo normalmente com motores a combustão (diesel, gasolina, etanol). Os dois modelos de negócios conviverão juntos nas redes de concessionárias.
Fase 6.0 (2031 – ?) A transição para a nova relação entre fabricantes, consumidores e redes de “vendas e assistência técnica”. O dinheiro mudará de mão.
  • Surgirão novos modelos de negócios multiparcerias, com mudança de propósito.
  • As montadoras assumirão o negócio e as receitas financeiras no mercado, dominando a jornada do cliente nos segundo e terceiro donos do mesmo veículo. 
  • Na fase 6.0, talvez as redes de concessionárias não existam mais e surgirão novos formatos de relação entre o consumidor e as fabricantes, com alguns intermediários para viabilizar os negócios.
  • O Aftermarket continuará existindo por várias décadas, assim como os carros com motor movido a combustão interna. O carro elétrico, com baterias pesadas compostas por elementos minerais nobres, pode não ser a solução definitiva para a redução da pegada de carbono e sustentabilidade ambiental no segmento de transportes. A tecnologia ainda necessita evoluir na questão das baterias, em autonomia, densidade e segurança. Mas não é só isso, o domínio da China na produção de componentes para as células de baterias (cátodos, ânodos, eletrólitos e separadores), atualmente na casa dos 80% da produção mundial, consiste em risco logístico-tecnológico e em uma matriz que não se consegue mudar em pouco tempo.

 

Autor: Orlando Merluzzi

Consultor Sênior, Conselheiro Independente e Palestrante

email: merluzzi@www.ma8consulting.com


Na MA8 acompanhamos todas tendências de gestão e negócios no setor automotivo. Para a Fase 6.0, nada é definitivo e os fabricantes irão se adaptar às demandas socioambientais, econômicas e possíveis restrições na cadeia de suprimentos dos elementos minerais, necessários para a produção das unidades acumuladoras de eletricidade. Estamos monitorando e estudando as movimentações geopolíticas, que definirão a nova ordem de poder na indústria automobilística global e na mobilidade inteligente.